sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Maria Alice busca a felicidade

Maria Alice dormia. Seu quarto era amarelo, com móveis rústicos, feitos de madeira de lei. Os lençóis eram algodão, o travesseiro era conforto. Tinha, inclusive, companheiro na cama: um gato. Esse gato se chamava Amadeu e era tão felpudo que pouco se podia alcançar seu próprio corpo.
Amadeu gostava de dormir. Maria Alice dormia para buscar sua felicidade. Uma felicidade clandestina. Buscava encontrar nos sonhos a alegria que não alcançava quando estava com a retina desperta. Maria Alice era taciturna e trajava cinza. Volta e meia brincava com o branco, mas o dia tinha que estar ensolarado. Caso contrário, flertava com o preto.
Maria Alice era monocromática. Mas agora ela dormia. Descobriu quando menina que quando adormecia enxergava muitas cores, todas elas, um arco-íris inteiro. Muitas vezes sonhava vários filmes coloridos e podia ser qualquer Peter Pan, Sininho ou Capitão Gancho. Nunca era Maria Alice.
Ocorre que Maria Alice não queria ser Maria Alice, mas assim era quando despertava. Voltava para suas roupas acizentadas. E esse mundo todo cru não conseguia conviver com ela e vice-versa e dormia, dormia. Seu quarto amarelo a chamava. Passou a dormir cada vez mais. Das oito horas diárias, passou às doze, depois às quinze. Dividia toda essa aventura com Amadeu, o gato. Amadeu não queria outra vida. Gato preguiçoso. Felpudo e preguiçoso.
Chegou um dia, porém, que Maria Alice não acordou. De tão imersa em seus sonhos, em suas cores diferenciadas, em suas criações fantásticas, Maria Alice não abriu mais os olhos. Queria uma felicidade eterna. Acreditou nela. Aqueles olhos pretos não veriam mais o céu ou sentiria a garoa da tarde cair. Sequer sentiria aquela doçura de Amadeu novamente. Maria Alice estava lá, aprisionada em seus sonhos. Nunca voltou. Amadeu foi adotado por Emília, uma menina de cinco anos. Continuou preguiçoso e felpudo. Sobretudo preguiçoso.
Maria Alice decerto não voltou, mas descobriu que até mesmo nos sonhos a felicidade não assina contrato com a eternidade.


Rebecca Sanches
09/09/2011

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